quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Dia 12 de agosto de 2010 – Quinta- Feira

Quarto e último dia de viagem de volta da Bolívia, que estava se tornando quase uma epopeia.

Todos cansados em uma viagem que não parecia ter fim - no trem da morte tivemos essa mesma sensação, mas lá era diferente, era um não ter fim instigante. O cansaço, a saudade de casa e das pessoas falavam mais alto, o que tornava as horas cada vez mais agonizantes.

Começamos bem o dia, ou melhor, a madrugada. O motorista, que na ida não tinha percebido que estávamos sem luzes de freio e que na volta atrasou, nos deixou esperando várias horas em Corumbá – o que cancelou nossa visita a Campo Grande, ou melhor como o Nilton disse, que adiou nossa ida até a cidade – na volta, esqueceu de abastecer o veículo e, por ironia do destino, não existia nenhum posto na estrada aberto às 3h da manha. Conclusão, estacionamos em um posto, contamos ate 10 e esperamos até a hora de abrir. Particularmente, eu dormi e quando acordei já estávamos na estrada.

Para descontrair, resolvemos fazer brincadeiras. Novas brincadeira que eu ensinei, como “Um patinho na lagoa” e “Xá, xé, xí, xó, xú”.

Por mais que encontrássemos novas coisas a se fazer, a volta não foi tão animada quanto a ida. Tínhamos muitas informações a digerir. Muitos aprendizados e vivências. Afinal, foram 12 dias convivendo com pessoas diferentes, em um país de uma língua diferente. A sensação de realização era grande. O contato com uma nova filosofia de vida foi muito transformador. Então era necessário tempo para organizar tudo. A vontade de encontrar as pessoas que habitualmente convivemos, contar as novidades e entregar os presentes era maior ainda.

Postos, cidades, paradas. Finalmente no final da tarde chegamos à Goiânia. Depois de uma viajem fisicamente monótona, porém conturbada dentro de nossas cabeças.

Acredito que a nossa missão ainda não foi cumprida, pois muita coisa ainda resta a ser feita daqui para frente.

Gabriel Moreira Paiva

A Bolívia com cheiro de Brasil

E aos poucos o sol dá lugar à lua. E conforme a noite chega, o frio de La Paz aumenta, gradativamente, “castigando” os brasileiros acostumados com um friozinho de 15ºC. Mas nada que impeça a saída noturna para conhecer um pouco mais desse lugar enigmático chamado Bolívia, que a cada esquina surpreende um pouco.

O consenso não foi algo tão complicado, até mesmo por que a maioria não conhece a cidade mesmo, então qualquer lugar seria muito bom. Depois de um bom pedaço andado, chega-se ao primeiro lugar. Porém, nem tudo são flores, qual seria a graça se não acontecesse nada de mais? O guarda da portaria logo se vira e diz que é proibida a entrada de menores de 21 anos. Nada de anormal, se a maioria do grupo não tivesse entre 18 e 20 anos.

Mais um bom pedaço andado e a ausência de uma pessoa começa a incomodar. A noite ganha uma pitada cômica e logo depois do reencontro a caminhada continua. Muitos são os lugares possíveis para se parar, mas sempre há um impedimento e, quando a desistência começa a passar pela idéia de cada um, eis que surge a última opção: Tetecos.

Logo na entrada, um grupo de cariocas promove a integração com o grupo de goianos. É um sinal de que a noite trará lembranças do Brasil, que já começa a trazer saudade no coração de cada um. Já na escada, a ideia que passa pela cabeça é: será que não teria sido melhor desistir? Resposta que só viria alguns minutos depois.

As músicas típicas trazem o encanto de cada povo que compõe o país. Um tempo depois, o samba toma conta da pista, e é hora do som e do “suíngue” desajeitado brasileiro encantar. Depois de todos conseguirem suar naquele frio, um grupo boliviano começou a se apresentar. Um som embalante começou a tomar conta de todos.

Batuques com sabor baiano. O som que lembrava muito o Olodum embalou a todos pelo resto da noite. Naquele momento a resposta da pergunta feita na escada chegava. Não! Se cedêssemos ao desânimo momentâneo, dando lugar a decisão de não desfrutar da noite boliviana, jamais teria sido possível traçar um paralelo entre Brasil e Bolívia. Países tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais.

Depois de muita diversão e interação, a hora de ir embora chega. O frio volta a bater. Cada um segue seu caminho com uma sensação diferente da noite. E a lua continua lá no alto, esperando o momento certo para ceder seu lugar ao sol.

mais ou menos uma crônica

31

O escuro bate querendo entrar.

O balanço ritmado nos acompanha na intenção de algum dia chegar. Não se sabe o caminho, o caminho que é guiado pelos clarões que assustam, mas são a esperança da luz, do dia, da chuva que cai, que limpa e se esforça para deixar tudo o que de mal nos persegue para trás. O desconforto se desliga e o olhar curioso se ascende e procura como um caleidoscópio, que busca a luz, tudo o que pode inspirar. E é esse mesmo olhar que por horas e horas nos permite conhecer o novo, ter medo do novo, se divertir com o novo, admirar o novo, fazer parte do novo.

E vai!

A escuridão passa. A chuva passa. O dia chega. O trem para.

E o olhar sempre aqui e ali a procurar

(Memória da viagem de trem que fizemos de Puerto Quijaro até Santa Cruz, foram mais ou menos 22h na estrada embalados a 30km/h por entre montanhas, matas e casas bolivianas cheias de contrastes, pobreza, coragem, beleza, admiração e admiração.)

Por Mariana

Diário

Nosso segundo dia em La Paz reservava-nos muitas surpresas.

Com muitas expectativas, chegamos à capital da Bolívia na madrugada do dia 5 de agosto.

Logo na rodoviária, tivemos o primeiro contato com alguns outros amigos brasileiros e bolivianos, todos participantes do Colóquio Brabo 2010.

Dividimo-nos em grupos e nos dirigimos, de táxi, rumo às casas de nossos amigos bolivianos que, gentilmente, nos concederam hospedagem para a nossa estadia na Cidade da Paz.

Com muito frio e carregando um peso de matar, nós, um grupo de 10 estudantes, todos navegantes de primeira viagem do Brabo e da Bolívia, fomos abrigados na casa do Pholak, localizada na Calle Oscar Alfaro do bairro San Antonio Alto.

Rapidamente, Pholak ajeitou-nos com alguns colchões e cobertores para nos protegermos do frio. Dali para frente, aquela casa, cheia e em reforma, seria toda nossa. Ficaríamos sós, acompanhando uns aos outros.

De início, a idéia de ficarmos separados do restante do grupo, na casa de uma pessoa semi-conhecida, que nem sequer morava naqueles três pequenos cômodos, incomodava-nos bastante, confesso. Mas, com o tempo, a vivência mostrou-nos que não podíamos desfrutar de uma experiência melhor.

Com muito frio, dormimos e, bem cedo, acordamos para esperarmos o momento em que um dos “brabos” que melhor conhecia a cidade buscaría-nos para nos juntar ao restante do grupo. Tomamos um belo chá de cadeira e, com muita fome, resolvemos aventurar-nos pelas ruas de La Paz em busca da boa e velha comida boliviana.

Chegamos à igreja de San Francisco e, próximo de lá, conseguimos entrar em contato com todo o grupo, via internet, ao som do nostálgico grupo Backstreet Boys, que exibia sua performance em um videoclipe que passava em uma barraquinha de venda de multimídias.

Bendita tecnologia! Marcamos um novo encontro com o grupo nas redondezas de San Francisco. Mas antes, nada mais sensato que uma pausinha para o matarmos a nossa fome. Novamente, dividimo-nos em dois grupos: um grupo para um lanche e outro para a grande refeição do meio-dia.

Após desfrutarmos das delícias da culinária boliviana, ocasionalmente, encontramo-nos com alguns companheiros de viagem e com nossa chave-mestra Nilton Rocha em um café, nos arredores de San Franciso. Impacientes, resolvemos esperar o término do letárgico lanche de nossos amigos, conhecendo as pessoas e o comércio da região.

Confusão! Os labirintos repletos de ladeiras das ruas de La Paz, além de nos deixar cansados e sem ar, também nos deixou deslumbrados e perdidos. Quando percebido o incidente, perdemo-nos, mais ainda, ao desbravar a língua castelhana na linguagem das compras.

Aos poucos, a coragem de encarar o portunhol foi-nos dada por um pontapé inicial, embora clichê: a expressão “Cuánto es, señora?”, tão usada por todas as espécies de viajantes e turistas.

Admito o tom fútil e, talvez, até desnecessário da expressão para uma viagem acadêmica. Mas o que muitos não imaginam é que foi justamente esta expressão que nos possibilitou novas formas práticas de comunicação. Utilizamos de gestos, de expressões, de interjeições e, por fim, do portunhol para nos comunicar. Estávamos, naquele momento, em contado com uma pequena porção da tradição cultural da Bolívia. E a melhor parte da história: mantivemos essa interação utilizando apenas meio artesanais e comerciais.

Aos poucos, já nos sentíamos em casa. Do tímido “Cuánto cuesta?” já tínhamos transgredido de descontos a descuentos; já havíamos aprendido diversas histórias daquele povo e já tínhamos arriscado piadinhas, arrancando até o riso tímido de algumas cholitas.

No fim da tarde, depois de muito perambularmos pelas ruas de La Paz, Felipe, Kamylla e eu decidimos procurar os rumos de volta à casa onde estávamos hospedados. Durante cerca de uma hora, pedimos informações a vários taxistas e transeuntes da região. Saber a rota que os ônibus 465 faziam não era uma tarefa muito fácil.

Finalmente, uma atenciosa senhora boliviana passou-nos a informação de onde pegarmos um táxi que poderia levar-nos a San Antonio Alto. Só nos bastava desembolsar 12 bolivianos e tudo estaria resolvido.

Por Ana Clara

04

Tive sorte, escolhi o dia certo para fazer o diário. Em Goiânia o Niltin me perguntou: Mariana porque esse dia? E eu respondi não sei, mas tenho certeza que vai ser um dia muito bom! E deu certo sim, foi um ótimo dia.

Estávamos em Cochabamba e a alegria transparecia no grupo, cidade agradável, hotel agradável, os olhos brilhavam com tudo e a necessidade de sair para explorar estava latente em cada um de nós. Todo cheio de alegria as atividades daquele dia começaram. O Niltin tinha marcado um encontro na Agruco, a faculdade de agronomia de Cochabamba, me perguntava no caminho o que tinha haver agronomia, comunicação, publicidade, jornalismo, Bolívia, Brasil.... ufa, tanta coisa que na minha cabeça aparentemente não dialogava, mas me enganei, acertei no dia mas errei em um monte de outras coisas! Lá aprendi muito, coisas como: o povo com suas tradições têm muito a ensinar; que os saberes populares podem e devem ser incluídos na academia; que um campesino pode ensinar tanto quanto um doutor, quem sabe até mais; descobri que folha de coca não é droga; que a comunicação pode servir como instrumento na educação; ixi foram tantas coisas que nem tem como citar tudo aqui. Mas como nem tudo na vida é alegria, esqueceram de me falar, que folha de coca é pra mascar, sugar o sumo, e não para engolir, ingênua engoli quilos e quilos de folha de coca (exagero, né!) e eu até esperei pra ver se dava algum barato ou coisa do tipo (brincadeirinha) mas não, funcionou melhor que activia, fica a dica pra quem visitar a Bolívia.

Até então o dia tinha sido ótimo quando veio a grande notícia: conseguimos uma entrevista com a Domitila, apesar dos problemas de saúde ela nos atenderá! A ansiedade perpassava cada rosto, alguns brincando, outros sérios, mas tenho certeza que aquele encontro se tornaria um dos pontos altos da viagem. Estudamos suas histórias de luta e aprendemos a admirar a força daquela mulher, o livro Se me deixam falar, foi o nosso primeiro contato efetivo com a Bolívia e cada palavra dita serviu para reafirmar nos nossos corações a admiração que sentimos. Mesmo com todas as dificuldades ela permaneceu ali confiante, lutando para transformação do seu país, por melhores condições de vida, deixando de lado interesses pessoais para conquistar direitos coletivos, um exemplo para todos. Sua expressão mostrava uma mulher cansada, mas ao mesmo tempo cheia de esperança. Domitila foi uma grande fonte de inspiração na viagem, e vai continuar sendo na vida.

Foi um dia cheio, varias experiências se complementando. De um lado a racionalidade envolvida na Agruco do outro o coração aberto para Domitila. Eu disse que tinha sido sortuda na escolha do dia, muita coisa aconteceu, muita coisa mudou, muita coisa ficou. Incrível.

Mariana =D

Olhar Acima

Tenho um olhar ávido, mas fugidio. O jovem olha com ganância pra o que não conhece, olha pra se satisfazer; o olhar é sensual, escravo do deleite e da ansiedade. Levo esses olhos sequiosos e eróticos. E por isso mesmo é preciso esclarecer a memória do que se viu. A Bolívia ficou para trás, dividida entre as memórias da alma, repartida entre os sons, cheiros, imagens e os outros sentidos. O que passou descansa na gente, e distância enraíza o vivido na carne. As tribulações de meu olhar de primeira viagem que não sabe apreciar com propriedade o que vê, mas apenas devora o que se mostra pela janela, vão amortecidas.

È bom contar, lembrar do dia longo que foi dois de Agosto. Uma amiga disse: parecia que estávamos em Cochabamba fazia dias. Sinto essa familiaridade estranha, ainda no início da viagem, era para ser apenas uma cidade de passagem. Foi um dia onde era impossível descansar o entusiasmo. Já nos acostumávamos à Bolívia pela janela lateral, do ônibus ou do Trem, mas que novamente movia nossas expectativas.

Mesmo dentro do ônibus o frio incomodou. Escuro lá fora, o vento frio parecia penetrar o vidro. Acordei quase assustado, a estrada interminável de curvas e adiante ao mesmo tempo meu reflexo contra o que meus olhos supunham e esperavam ser as montanhas. Quando ameaçava amanhecer, logo ali, após outra curva, revelava-se abaixo de nós: a cidade. Uma comichão aguçava os sentidos; meus olhos se esparramaram. Eu queria mostrar pra alguém, dividir com outra pessoa e mesmo sabendo a resposta perguntar: não é lindo? Rompendo o véu obscuro de noite e neblina, o que mais parecia ser um rio de luz serpenteando gigantesco arrancava admiração e curiosidade.

A cidade seguiu amanhecendo, e nós descíamos. Logo as primeiras casas, a terra branca, o aspecto árido, as paredes de adobe, poeira clara contra as montanhas. Um pouco além, casas de alvenaria e a desordem entre reboco e publicidade até o terminal de Buses. Sinal de uma cidade incrivelmente movimentada.

No terminal fazia frio, essa foi minha grande impressão. Estava tranqüilo. Malas nas mãos, o grupo se congratulava, todos empacotados e empilhávamos as bagagens num só lugar. Enquanto uns tomavam café, outros vigiavam os pertences do grupo e ainda havia outros que saíram procurando hotéis na cidade. Estava decidido, ficaríamos um tempo maior.

Depois de tomar café recebia a notícia, sem muito sucesso nas primeiras tentativas, finalmente haviam encontrado um bom hotel. Além de bom, era barato, os gastos eram uma preocupação geral. Nunca antes saíra do Brasil, a idéia de ficar sem dinheiro num país estrangeiro amedronta, quanto mais dinheiro, mais seguros. Minhas Inseguranças.

Partimos; no país o transporte urbano é diverso. Optamos por táxi, muito barato. O trânsito é estabanado, movido a buzinadas largas e enfáticas, as calcadas ao redor da rodoviária, tomadas de vendedoras; de bebidas típicas a desodorantes, elas vendem quase tudo. O taxi quase nunca foi um carro novo, a frota é antiga e os taxistas me pareceram bem-humorados, comunicamos: rua Yacucho esquina com outra que fugiu à memória. Algumas ruas, depois verificaria, repetem-se cidade após cidade na Bolívia, quase sempre nomes de batalhas famosas. Reparava o desenho de cidade que se nos apresentava; o canteiro central da avenida, de no mínimo meio metro de altura, uma mureta, os canteiros de cactos, o que meus olhos viam e o que via nos olhos dos outros.

O Hotel é um empreendimento novo, e muito característico, funcionam no mesmo prédio, um hotel, uma agência de turismo e um escritório de advocacia, além do fato de pertencer a uma igreja. Chama-se Rey Jesus. Foi o nosso canto, alívio que se traduzia em banho quente, cama a nossa disposição, sem deixar por isso, de espiar pela lâmina de vidro da janela, de um lado uma imponente montanha de pico nevado, e de outro, o chamado Cristo de Cochabamba, ou cristo índio; que é uma das muitas variações do Cristo redentor espalhadas mundo afora. O encantamento também vinha das misteriosas cúpulas escurecidas das inúmeras igrejas, da fortaleza das monjas claustras, da arquitetura de pedra bruta, de aspecto antiguíssimo; e das casas que pareciam ter vindo da europa com seus telhados específicos angulosos e a vida mesmo, corriqueira: os jardins, a horta, o gato se alongando sobre um telhado de barro branco anunciando o sol que ganhava a cidade. Os montes educaram-me a vista a reparar o inabalável horizonte alto, meus olhos foram arrancados do chão, suspensos naquilo que ressoou na alma assim que conheci melhor a cidade, despertou como uma das muitas canções e salmos ao fim do que realmente entendi o que queriam dizer quando falam dos montes que abraçam Jerusalém, senti-me num ninho, aprendi a dirigir a vista acima. Sem medo de parecer piegas, constatei, meus horizontes se alargaram e se traduzem numa vista mais perspicaz e sensível.

O Hotel hospedava exclusivamente nosso grupo, e agora se agitava. Os funcionários, apenas um casal extraordinariamente solícito, pareciam que foram pegos de surpresa, subiam de desciam as escadas, limpando o chão, os lances, arrumando o elevador e instalando os televisores. Eram os mesmos rostos inquietos e que a todo o momento via transparecer certa preocupação, como se os afazeres nunca terminassem, sempre como se estivessem pensando no que está por fazer. Era assim no café, como no resto do dia ou da noite.

Movimentar-se em grupo foi a oportunidade de colocar à prova o fruto do Espírito. Fiz questão de incorporar a dieta paciência e boa vontade. Sair juntos tomava horas de preparação e quando saíamos, minha alma indecisa sofria, quase nunca comemos em um só lugar, então fatalmente o grupo dividia-se e a partir daí cada um buscava seu itinerário não sem muita ponderação e momentos em roda contemplado uma a face do outro, os silêncios incômodos e os impasses que se tornaram repetidos na rotina.

Meu lugar preferido para comer na cidade da primavera eterna, título meio exagerado, mas com uma graça de fábula e de tudo não totalmente infundado, foi Buenos Aires, um restaurante não sei se de comida argentina, mas com título semelhante. E comer nesse pedaço do continente revelou-se um costume adorável. O almoço era composto por uma entrada de sopa e pão, seguido do que se chama segundo prato, que por sua vez antecede finalmente o prato principal, sempre uma carne acompanhada de batata. Aqui se tem batata em tudo e tudo de batata, pelo bom Deus essa era uma opção onipresente, barata e familiar ao paladar.

O guia de viagem, que levei mesmo imbuído de comedida vergonha e receio, acenava para o clima ameno da cidade. O que se revelou frio intenso no anoitecer, noite e manhã e um calor inesperado à tarde que me obrigou a desmontar boa parte da roupa com que planejei sair. Nesse calor nascente, e iluminados por uma intensa claridade de dia pleno, colocamos os pés nas calçadas revistando a cidade, com suas praças que julguei impecáveis, as ruas que estreitavam-se pelos becos e a vegetação ora discreta, ora exuberante, contudo mais discreta que outra coisa.

Um momento decisivo, a hora das compras. Promessas de preços baixos na cabeça e a maravilhosa multiplicação do câmbio estimulavam a tentação. Por isso, após o passeio de fim do almoço e um breve descanso no hotel, voltamo-nos as imbricadas ruas dos arredores da rodoviária, era a feira, ou melhor, as feiras, o que para nós não fazia a menor diferença. Além da rua de pista dupla das calçadas cobertas de bancas, logo ali, pouco além de nosso ponto de chagada na cidade encontramos o esperado mercado. Procurávamos artigos interessantes, lembranças e munição contra o frio, afinal La Paz estava por vir. Aquelas passagens estreitas multicoloridas, qualidade da cultura local, com uma miríade de artigos espalhados pelo chão, bancas além dos pendurados foram uma experiência cativante. Aprendemos a pechinchar até o último pesito possível, e foi a oportunidade de arriscar o espanhol e improvisar ao sabor dos imprevistos e incompatibilidades culturais. A todo lado uma impressionante oferta de sentidos. Gente de todo tipo em todo lugar.

Ao findar do dia a noite é suave, e veio despretensiosa, sem alarde, revelando uma cidade calma e pacata banhada pela densa luz amarela dos postes de fiação caótica. O grupo monopolizava as calcadas, que agora além das vias principais ficaram mais estreitas. Caminhávamos a procura de jantar, o grupo não se decidia, buscar comida em outro país é curioso. Pra minha surpresa, terminamos, cheios de receios, numa pizzaria que prometia seja o que isso quer dizer, New York Style Pizza, pedimos uma pizza de proporções monstruosas, se não me engano com 32 pedaços, mas enfim era apenas uma pizza que custou mais de 200 bolivianos. Conversávamos também na volta, fui para o hotel desejoso pela cama a minha espera, cama confortável para descansar a ansiedade e expectativa do dia que viria.


Por João Daniell

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Foi de Ônibus

Seis da manhã era a hora marcada para sairmos de Goiânia. Nessa momento quase todos estavam em frente ao Museu Antropológico da UFG, mas faltava um dos principais personagens de nossa viagem: o Ônibus. Percorreríamos uma distância de mais de 1000 km nesse automóvel.
Após acomodarmos nossas malas no bagageiro, despedirmos de nossos familiares e escolhermos nossos lugares no ônibus (eu fui no meio, por recomendação de meus pais), sentamos (ou não). Aí veio a Mariana e disse: " Só faltam 18 horas". Intencionalmente sarcástica ela provocou o riso (ou a angústia).
Parece que todos estavam com vergonha de comer em frente aos pais. O ônibus nem tinha chegado na esquina e todos já ofereciam da comida que tinham comprado ou feito. Parecia uma feirinha de comidas. Sanduíche de presunto e queijo, pão-de-queijo, biscoito de queijo, rosca, pão, bolacha, peta, doce de amendoim, bolo... Tanta coisa que não pude escolher, comi de tudo.
Algumas paradas, alguns lanches e algumas sonecas depois, chegamos na divisa entre GO e MS. Estávamos até animados mas como algumas pessoas queriam dormir, preservávamos o silêncio...BRINCADEIRA!!!! Não tem como uma viagem de jovens em um ônibus ser quieta. Brincamos de tudo quanto é coisa, cantamos (descobrimos um novo astro da música, mas ainda não vamos revelar seu nome), fizemos mímica...tudo isso com muito barulho.
Mais de 20 horas depois (a Mariana errou, ha! ha!), todas as brincadeiras se esgotaram, o cansaço bateu e o alojamento na UFMS foi bem aconchegante. O percurso entre Goiânia e Corumbá, passando por várias cidades como Campo Grande (mas não passou pela metrópole Anápolis), nos fez aproximar das pessoas com as quais passaríamos os próximos 13 dias. Isso foi possível por uma coisa: porque foi de Ônibus.